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Ética em Maquiavel

1 INTRODUÇÃO

 

O período axial pode ser entendido como um período no qual houve aproximação de grupos humanos devido à difusão técnica, relações comerciais e conquistas políticas. Ademais, houve desconexão interna dos componentes da vida ética – direito, moral e religião. Com a desconstrução do mundo antigo, a partir do período axial, surge ao final da Idade Média européia uma nova era na história, representada pela negação do velho mundo. Tanto a religião como a sabedoria tradicional são abandonadas, paulatinamente, como princípios da vida ética. Pela primeira vez o indivíduo adquire uma autonomia da vida, anteriormente negada. A humanidade passa a ser a “senhora e possuidora da natureza”.

 

Com a unificação espacial do cosmos, aconteceu um choque de civilizações que viviam isoladas. Convencionalmente, o início da Idade Moderna pode ser marcado por quatro acontecimentos: 1453 com a conquista de Constantinopla pelos turcos; 1492 com a descoberta do continente americano por Cristóvão Colombo; 1498 com a abertura da via marítima entre a Europa e o Extremo Oriente por Vasco da Gama; 1519/1522 com a viagem de circunavegação do globo terrestre pela equipe de Fernão de Magalhães. Por conseguinte, resultou-se em um conflito de ideias no plano da vida ética.

 

2 NICOLAU MAQUIAVEL

Atuais estudos de sua obra revelam que o autor foi mal interpretado historicamente. Nicclò di Bernardo dei Machiavelli nasceu em Florença no ano de 1469. Viveu sua juventude na República Florentina, enquanto Lourenço de Médici governava. Aos 29 anos, ingressou na política no cargo de Secretário da Segunda Chancelaria. Nele, Maquiavel refletiu acerca do comportamento de ilustres nomes da época. Embasado nessa vivência, formulou alguns postulados para sua obra. Após serviço militar em Florença durante 14 anos, foi afastado e escreveu suas principais obras. Alcançou certas missões de pouca relevância, contudo não retornou ao seu antigo posto.

Como renascentista, ele se utilizou de conceitos e autores da Antiguidade Clássica de forma inovadora. Entre eles, podemos citar Tito Lívio. Entre os conceitos apropriados, podemos citar o de virtù (capacidade de liderança, vigor inteligência, rapidez) e o de fortuna (senso de oportunidade, escolha do momento certo para agir), por exemplo.

Destacado escritor renascentista e pai da Ciência Política Moderna, foi o primeiro a secularizar a política, isto é, separar esses dois aspectos. Também faz uma cisão entre ética/moral e política. Utilizava o método da observação para criar e afirmava: “Minha teoria veio da prática”. Faleceu em 1527, obscuro e abandonado

3 RAZÃO DE ESTADO E SUPREMO CRITÉRIO ÉTICO

 

Em Nicolau Maquiavel(1469-1527), burocrata florentino reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna, constitui-se a gênese da primeira grande ruptura no sistema ético tradicional, constituído de religião, moral e direito. Foi o pioneiro na sustentação da ideia de que a vida pública é orientada por uma ética peculiar. Seus valores supremos são a estabilidade interna e a independência externa da sociedade política. O direito deve servir a essa finalidade, e a execução dos preceitos de moral privada e dos aspectos religiosos deve estar submetidos ao respeito da ordem e a manutenção da segurança. Destarte, Maquiavel apresenta um papel de destaque entre os partidários da Realpolitik, concepção em que a importância dos fins a alcançar justifica o emprego de quaisquer meios (desde que eficazes) na vida política. Ela se refere à diplomacia ou política baseada principalmente em considerações práticas, em detrimento de noções ideológicas. Pensadores como Maquiavel e Nietzsche defendem a Realpolitik como uma forma de realismo político, na qual as relações de poder tendem a encobrir as pretensões de fundamentação moral, em uma espécie de ceticismo moral análogo ao do argumento de Trasímaco na República de Platão.

 

Advém daí a polêmica questão: se é melhor ser amado que temido ou vice-versa. Melhor que se seja ambos, todavia, como constitui uma tarefa difícil reunir as qualidades que dão esses dois resultados, torna-se mais seguro ser temido, uma vez que tenha que se falhar numa das duas.

 

4 IDADE MÉDIA NA ITÁLIA

 

Em 476, teve fim o Império Romano do Ocidente. Esta data foi convencionada para marcar o início da Idade Média. A Idade Média, também conhecida como a “Idade das Trevas” (denominação exagerada, visto que as primeiras universidades foram criadas nessa época, o que significa um exemplo de grande avanço), teve como principal característica o poder concentrado nas mãos do clero e as lutas que buscavam a expansão territorial dos condados pela nobreza. Os valores e costumes eram ditados pelo clero e deviam ser seguidos e obedecidos. Daí tal denominação. O expresso fervor religioso dos medievais representou um grave retrocesso para a ciência, na visão dos renascentistas. A influência ideológica dessa casta sobre a sociedade laica era clara e influenciava na forma de governo e de convivência dos cidadãos, o que não era exceção na Itália.

 

Em 488, a península Itálica foi invadida por  Teodorico que se proclamou soberano absoluto, mas após sua morte, seu reino entrou em decadência. Ravenna tornou-se capital da Itália Bizantina, após Justiniano I, imperador romano do Oriente, restabelecer a autoridade bizantina na maior parte da península. Em 568, os lombardos, outro povo germânico, invadiram a península e controlaram quase toda o Exarcado de Ravenna, centro do poder Bizantino. Além do Reino Lombardo, os lombardos fundaram os ducados de Spoleto e Benevento. A partir de então, a Itália teve três capitais: Roma, sede do papado; Ravenna, onde ficava o exarca, representante do imperador; e Pavia, onde se tinha fixado o rei lombardo.

 

Em 560, o novo rei lombardo Alboíno derrotou os vizinhos gépidas, os fez seus súditos. Em 568, Alboíno junto com outros povos germânicosbávaros, gépidas, saxões e búlgaros, liderou os lombardos, através dos Alpes, para invadir o norte da península Itálica, derrotando os bizantinos e fundando o Reino Lombardo. Depois da morte de Alboíno, em 572, ocorreu um vazio no poder que propiciou a união de diferentes grupos sob o comando de um líder regional chamado duque. Os lombardos abraçaram o credo denominado arianismo, o que originou contínuos confrontos religiosos com os habitantes nativos do país, principalmente os católicos. Por fim, a conversão à fé católica do rei lombardo Agilolfo trouxe no seu bojo um período de relativa calma. Os lombardos, que pretendiam consolidar seu poder político, começaram a fazer incursões no território papal. Em 754, o papa Estêvão II pediu ajuda aos francos, convertidos à fé católica um século antes.

 

O papa, no século VIII, pediu ajuda aos francos contra os avanços lombardos. Os francos derrotaram os lombardos e depuseram seu último rei, sob a forte liderança de Pepino, o Breve, e posteriormente de seu filho, Carlos Magno. Assim, constituíram-se os Estados Pontifícios. Em 774, Carlos Magno proclamou-se rei dos lombardos; e estabeleceu com o Papa Leão III o acordo que por um lado permitiu a Carlos Magno ser ungido como Imperador do Império Sacro-Romano pelo Pontífice, por outro lado o comprometeu a promover a difusão do cristianismo em seus domínios, respeitando Roma como sede do cristianismo, defendendo-a inclusive das investidas do Império Bizantino.

 

 

A influência carolíngia, entretanto, foi com as incursões sarracenas e normandas no Sul. As cidades do norte da atual Itália passaram a ficar mais independentes entre si, tornando-se centros econômicos e políticos importantes. Os longos conflitos entre o papa e o imperador, dos quais a Itália foi, o principal alvo, debilitaram, os dois poderes, A querela das Investiduras encerrou-se com a vitória do papado sobre o Império. O poder, nas cidades, passou às mãos de potentados, a partir do século XIII, o poder, nas cidades, passou às mãos de potentados. Na Itália do Norte, dominavam quatro grandes cidades (FlorençaGênovaVeneza e Milão). Na Itália do Norte, dominavam quatro grandes cidades (FlorençaGênovaVeneza e Milão). Na Itália central, o papado, forçado a deixar Roma por Avignon (13091376), foi enfraquecido pelo Grande Cisma do Ocidente. O Sul da Itália foi entregue a Carlos de Anjou e a Sicília, à coroa de Aragão, pondo fim às pretensões imperiais sobre a Itália.  A península Itálica foi campo de batalha para os franceses, os aragoneses e ossuíços, no século XIV. No final do século XV, a Itália foi invadida pela França e, mais tarde, pelo imperador Carlos V, que subjugou a maior parte do território. Os aragoneses dominaram o sul da península durante dois séculos.

 

O século XIV foi uma época de grande desenvolvimento em função da atividade comercial das quatro repúblicas marítimasVenezaGénovaPisa e Amalfi, e da atividade financeira dos banqueiros de Florença. O desenvolvimento econômico e a riqueza da Itália permitiram um grande desenvolvimento cultural e artístico, conhecido como Renascimento, que se irradiou pela Europa. Nas cidades, onde famílias principescas sobrepujaram o regime republicano, assistiu-se ao apogeu do Renascimento (Florença).

 

Toda essa série de ações descritas em cronologia confirma a teoria de Maquiavel de que “é indispensável que o príncipe não se prenda a nenhum preceito ético que possa contrariar o seu interesse; não se submete a lei alguma, nem mesmo às que ele tiver editado.

 

5 RENASCIMENTO NA ITÁLIA

A sociedade da Idade Média baseava os fatos da vida e os acontecimentos históricos nos ideais religiosos. Tanto a vida terrena como a história eram explicadas pela vontade divina, um ser superior. A literatura, a arte e a ciência dependiam desse ideário religioso.

Durante o século XIII, a Itália e as outras partes Europa começaram a mudar sua forma de pensar, direcionando suas atenções para uma vida concreta e terrena. Nela, o homem passou a ter relevância como o ator principal dos acontecimentos e determinando, ele próprio, a sua vontade.

Na época do Renascimento, o mundo se mostra como um ambiente das ações humanas, e não como expressão da vontade divina. A natureza também atrai as atenções, tornando-se objeto de observação e estudo. Essa fase indica o prosseguimento da vida econômica, social e cultural que ocorreu na Itália e depois no resto da Europa.

Isso representou um momento de ruptura entre o mundo medieval – com duas características da sociedade: agrária, estamental (nobres, clérigos e povo), teocrática e fundiária – e o mundo urbano, burguês e comercial. Em meados do século XV, ocorrem transformações significativas na Europa, lançando base pro que seria futuramente o mundo contemporâneo. A Europa medieval, estável e fechada inicia um processo de abertura e expansão comercial de marítima.

O Renascimento científico retira das mãos da Igreja o poder do monopólio da explicação do mundo e da natureza. Abrindo-se o caminho para uma ciência leiga, livre de limitações e dogmas. O racionalismo triunfava sobre concepções herdadas de uma tradição religiosa baseada na fé, e não na experimentação científica.

O termo se origina de renascer da Idade Média, ou seja, reviver os valores da Antiguidade clássica greco-romana. O conceito Renascimento foi usado pela primeira vez no século XVI. Os renascentistas defendiam que no período da Idade Média a cultura havia desaparecido, pois se teria vivido um período de trevas. Eles acreditavam ainda que sua função era fazer renascer a cultura clássica (greco-romana), que julgavam muito superior à cultura do período feudal.

Hoje, a historiografia destaca o preconceito existente no emprego do termo Idade das Trevas. Já vimos que não teríamos a soberania popular de Rousseau sem Marcílio de Pádua, Guilherme de Ockam e outros pensadores medievais.

Os renascentistas eram adeptos do Hedonismo, que pregavam a busca do prazer ainda em vida e não após a morte. Na época, houve um processo de avanço do mercantilismo capitalista. A cristandade entrou em decadência: ocorriam conflitos entre o poder divino (Igreja) e o poder temporal (Estado).

Houve o desenvolvimento do Estado Nacional: soberanos locais são absorvidos pelo fortalecimento das monarquias e pela crescente centralização das instituições políticas (cortes de justiça, burocracias e exércitos). Ainda podemos citar o Início do processo de urbanização e industrialização na Inglaterra; a nova imagem do mundo e a redescoberta do cosmos ou da natureza como conquistável e dominável. Saímos do geocentrismo e entramos no heliocentrismo (Kleper, Galileu, Copérnico); o pensamento religioso muda do teocentrismo para o antropocentrismo; novos valores culturais e econômicos com o advento do capitalismo (Locke e Adam Smith e Calvino).

Finalmente, também podemos falar em algumas revoluções:

  • Revolução Econômica: Fim da economia agrária feudal e início da economia capitalista.
  • Revolução cientifica: busca de novos métodos, avanços das ciências exatas e naturais.
  • Revolução industrial: Novas tecnologias e importância da exploração de novas fontes de energia.
  • Reforma religiosa: Protestantismo: Lutero, Calvino, Zwínglio, Thomas Münzer.
  • Revolução cultural: Imprensa, volta das humanidades greco-latinas. Renascença artística.

A Itália ofereceu à humanidade notáveis contribuições em distintos campos do conhecimento: na Pintura e Escultura: Michelangelo, Rafael, Ticiano, Tintoretto e Leonardo da Vinci; na Arquitetura: Brunelleschi; na Física: Leonardo da Vinci, talvez o gênio mais eclético da humanidade; nas Ciências Políticas: Maquiavel; nas Ciências Contábeis: Luca Pacioli.

 

6 A POLÍTICA COMO ARTE DO QUE É E NÃO DO QUE DEVE SER

 

Existe um enorme abismo entre a vida efetiva e a vida ideal. O ser humano prepara a sua própria ruína quando opta por seguir o que se deve fazer em detrimento do que se faz. Quem age sempre com bondade acaba por prejudicar-se, uma vez que está rodeado de pessoas que não são boas. O príncipe deve estar preparado para ser mal, usando essa maldade ou não, conforme suas necessidades. A crueldade não deve ser abolida, mas é necessário saber usá-la com o objetivo de conseguir uma duradoura obediência popular.  Posteriormente, isso seria enfatizado por Mandeville e se tornaria princípio da nova teoria econômica produzida por Adam Smith. As regas para o vulgo não se aplicam para o príncipe, responsável por manter o Estado forte e independente. Caso haja de forma equivocada, é obrigado a manter um punhal na mão, tendo que não confiar em seus súditos. Da mesma forma, para a manutenção do governo que, antes de conquistado, regia-se por suas próprias leis, pode ser preciso arruiná-las de início.

 

O príncipe deve estar atento para duas ameaças: uma de origem interna por parte de seus súditos e outra externa por partes dos grandes. Contra os últimos, irá se defender com armas e aliados. Tendo armas, sempre terá bons aliados.

 

Dessa forma, na moderna ciência política só há espaço para o juízo de fato, não o de valor. É como se a consciência ética dos cidadãos, e o seu comportamento não fossem fatos reais, influindo incisivamente no jogo de poder. Os poderosos podem descurar totalmente das justificativas éticas, seja religiosa, moral ou jurídica para angariar maior obediência de todos.

 

7 A RAZÃO DO ESTADO COMO CRITÉRIO SUPREMO DE AÇÃO POLÍTICA

 

Stato, na Itália de Maquiavel obteve outro sentido. Não se tratava mais do estamento, mas da sociedade política independente. Não era submetida à soberania do papo ou do imperador.  Apesar da expressão ragion di stato nunca ter sido usada por Maquiavel, ela se encaixa muito bem com o seu pensamento, no qual à independência e à estabilidade dentro do Estado, tudo deve ser sacrificado, já que nelas está constituído o bem supremo da vida humana. O poder de governo é central na ação política que constitui uma técnica de conquista e mantenência do poder. Ele se desenvolve na pessoa do príncipe.

 

É importante que o príncipe tenha algumas qualidades pessoais (a virtù). Virtù é o Deus da Guerra em Roma, cujas “qualidades” são: ser inteligente, competente, imprevisível, planejador de estratégias alternativas. Caracteriza-se pelos aspectos usualmente de um varão: força física e insensibilidade. Caso seja volúvel, efeminado, leviano, pusilânime ou indeciso merece o desprezo. Ele não pode ter outro objetivo senão a arte da guerra, pois quando pensam mais nas delícias do que nas armas, perdem sua condição principesca. A guerra é a verdadeira profissão de todo governante e odiá-la só traz desvantagens.  A força do príncipe é medida primordialmente por sua rápida e oportuna capacidade de decidir. Não adianta ter mais opiniões do que força.  Assim, percebe-se que não são as leis que legitimam o uso da força pelo príncipe, mas o oposto.

 

Entretanto, o Estado, mesmo que fortemente armado, não deve desprezar o apoio religioso. Ele deve estar a serviço do poder civil, não o contrário.  No caso específico da Itália, Maquiavel aponta a imoralidade do clero romano como o motivo da irreligiosidade do povo. Isso representou um fator importante para a desunião endêmica entre as cidades. Na velha Roma, os governantes souberam usar muito bem a ferramenta da religião para contribuir com a ordem interna e com as ações no exterior.

 

Diante da soberania do Estado, o príncipe não necessita de autorização para engendrar ações. A importância do Estado sobressai até ao governante. É necessário o desenvolvimento do espírito patriótico e de um exército próprio.

 

8 DESPREZO PELO POVO

 

Consoante Maquiavel, o povo não é capaz de governar a si próprio, assim uma multidão sem uma chefia torna-se inútil. Não há a instituição de um principado onde há igualdade. Por ser cético quanto à natureza humana, ele acredita a relação entre o povo e os grandes senhores sempre é conflituosa. O povo é apenas um instrumento nas mãos do príncipe. Ele não deve interferir nos negócios particulares para não perder favor popular e para favorecer o enriquecimento geral. Em meados do próximo século, Thomas Hobbes retoma a ideia de um Estado absoluto estimulante quanto à riqueza e aos negócios privados. Esse esquema foi fundamental para o desenvolvimento do capitalismo.

 

9 O PRÍNCIPE

 

O título é entendido não no sentido monárquico de filho do rei, mas sim no sentido Clássico/Romano de Prínceps (O Primeiro, O Principal). A obra é uma espécie de manual cuja finalidade é dar conselhos de como conseguir e manter o poder. Manter o poder é muito mais difícil que conquistá-lo. Para alcançá-lo, é aconselhável entrar para o meio político, fazer amigos conseguindo apoio e financiamento e firmar alianças. 

 

Ele prega a separação entre a política e a moral. A arte independente da ciência política e a autonomia do fator político. Há a ideia de causalidade social, racionalidade calculista e utilitarista, polivalência do poder.

 

Maquiavel aconselha que o príncipe ouça conselhos de bons conselheiros, mas nem sempre segui-los. Deve julgá-los por si só. Para ele, a tirania é uma resposta prática a um problema prático. O governante deve estar atento à sua imagem tanto interna como externamente.

 

Pode-se apresentar algumas concepções do autor:

 

Concepção de Homem: há racionalidade instrumental, busca o êxito, sem se importar com a moral ou filosofia política grega e cristã. O homem possui capacidades: força, astúcia e coragem. É vil, mas é capaz de atos de virtude.  Não incorpora a ideia da sociabilidade natural dos antigos e rompe com o humanismo aristotélico e cristão.

 

Concepção de História: perspectiva cíclica, pessimista, de inspiração platônica. Tudo se degenera, sucede-se e se repete fatalmente. Todo princípio corrompe-se e degenera-se. Isto só pode ser corrigido por acidente externo (fortuna) ou por sabedoria intrínseca (virtù). Não manifesta perspectiva teleológica à humanidade e não tem um objetivo a não ser a ação política do dirigente. A política não existe em função da teleologia cristã na busca do caminho da salvação ou a construção do Reino de Deus entre os homens. Também não pensa a história sob a perspectiva dos modernos: não menciona a idéia do progresso e da racionalidade científica.

 

Concepção de Política: pela primeira vez é mostrada como esfera autônoma da vida social. Não é pensada a partir da moral nem da religião, rompe com os gregos e romanos e com os cristãos. Também não é pensada no contexto da filosofia, passa a ser campo de estudo independente, isto é a ciência política. A vida política tem regras  dinâmicas independentes de considerações privadas, morais, filosóficas ou religiosas. A política é a esfera do poder por excelência, trata-se da atividade constitutiva da existência coletiva: tem prioridade sobre todas as demais esferas. Pode-se ver como uma forma de conciliar a natureza humana com a marcha inevitável da história: envolve fortuna e virtú (capacidade de liderança e senso de oportunidade). Fortuna (espírito intuitivo de senso de conhecimento do momento próprio e da conjuntura específica) contingência própria das coisas políticas: não é manifestação de Deus ou Providência Divina. Há no mundo, a todo o momento, igual massa de bem e de mal: do seu jogo resultam os eventos e as decisões dos dirigentes. Pode desafiar e mudar a sorte (fortuna): papel do homem na história.

 

Concepção de Estado: Maquiavel não elabora uma teoria do Estado. Conclui-se que busca entender e explicar a formação do Poder em um órgão centrado no líder máximo, e desenha o poder central soberano que se exerce com exclusividade e plenitude sobre as questões internas e externas de uma coletividade. Preocupação política com as qualidades do dirigente. Teoria da ação política, da formação do Estado. Ele está além do bem e do mal, regulariza as relações entre os homens: utiliza-os nos que eles têm de bom e os contém no que eles têm de mal. Sua única finalidade é a sua própria grandeza e prosperidade. Maquiavel não defende a obtenção dos fins pelo mal, justifica a guerra para a defesa do Estado. Daí a idéia de “razão de Estado”: existem motivos mais elevados que se sobrepõem a quaisquer outras considerações, inclusive à própria lei. Tanto na política interna quanto nas relações externas, o Estado é o fim, e se for preciso poderá usar a violência e a coerção para manter-se a autoridade a preservação do Estado.

 

 

10 O TERMO MAQUIAVÉLICO

 

Hoje, é comum a utilização do termo maquiavélico, porém ele é usado com muitas distorções. Atualmente, trata-se de um apelido pejorativo dado às idéias do pensador florentino, por não entendê-lo no contexto renascentista de mudanças e separação de religião e política. No fundo as idéias de Maquiavel são realistas e vem da realidade política e daquilo que ele nas suas viagens viu e percebeu.

 

11 AS 10 LIÇÕES DO PRÍNCIPE

 

Segundo Neidson Rodrigues, podemos extrair dez lições da obra O Príncipe:

 

1ª “O dirigente do Estado deve ter competência para antecipar os problemas que ele vai representar e, ao antecipar os problemas, deve remediá-los, não permitindo que o tempo corroa a sua autoridade”.

 

2ª “Quando uma determinada ação, por pior que seja, for inevitável, é preciso fazê-la, rapidamente e não adiá-la”.

 

3ª “É mais fácil conquistar o Governo do Estado do que implementar novos costumes e uma nova cultura política e, consequentemente, impor a direção política planejada estrategicamente no plano de governo antes das eleições”.

 

4ª “Todos os profetas armados venceram e os desarmados fracassaram”.

 

5ª “Ao assumir o Governo, o dirigente deve realizar todas as ações que produzem malefícios a membros da sociedade, de uma só vez e de maneira completa, para que seus efeitos não perdurem durante todo o governo”.

 

6ª “É preciso cuidado com aqueles que se aproximam do novo governante para definir-lhes o caráter e defender os seus interesses particulares ou de grupos”.

 

7ª “Uma ação para ser vitoriosa deve ser conduzida na prática com as próprias forças e soldados que são fiéis e não com mercenários pagos”.

 

8ª “O Príncipe que ignora o terreno sobre o qual se desenvolve a guerra e desconhece os soldados que comanda, conduz, necessariamente, as suas forças para a derrota”.

 

9ª “As pessoas esperam do dirigente que ele tome decisões adequadas, justas e corretas, ainda que isto fira a interesses de um ou de outro grupo”.

 

10ª “O dirigente político que deseja conduzir a sociedade a um objetivo e metas bem definidos, deve procurar estabelecer metas e objetivos, os mais altos e nobres possíveis e impulsionar os cidadãos naquela direção. Se o dirigente se contentar com alvos medíocres e só viáveis em longo prazo, a tendência é só atingir objetivos inferiores aos projetados. Quanto mais difíceis e idealistas e na busca da utopia política forem os objetivos, mais probabilidade de conseguir superar os seus próprios limites. É necessário ser leão e raposa. A um príncipe incumbe saber usar dessas duas naturezas, nenhuma das quais subsiste sem a outra. Tendo, portanto, necessidade de proceder como animal deve um príncipe adotar a índole ao mesmo tempo do leão e da raposa: porque o leão não sabe fugir das armadilhas e a raposa não sabe defender-se dos lobos. Assim, cumpre ser raposa para conhecer as armadilhas e leão para amedrontar os lobos. Quem se contenta de ser leão demonstra não conhecer o assunto”.

 

12 ÉTICA

 

Em Maquiavel, a ética é contrária à ética cristã herdada por ele da Idade Média. Na cristã, as ações dos governantes e os Estados estariam submissos a uma lei superior e a vida humana relacionava-se à salvação da alma. Posteriormente, com Maquiavel, o fim das atitudes dos governantes passa a ser a manutenção da pátria e o bem geral da comunidade, não o próprio. Destarte, uma atitude não pode ser classificada de boa ou má fora de uma perspectiva histórica. Engendra-se nesse ponto uma possível crítica ao seu pensamento, já que com dessa forma o Estado estaria apto para praticar todo o tipo de violência (tanto com seus cidadãos como com outros Estados). Simultaneamente, o julgamento posterior de uma ação aparentemente boa pode revelar-se má.